10 de mar. de 2011

Peça mostra história de catadoras de materias recicláveis do Distrito Federal


Marilúcia : "Trabalhamos com o lixo e não somos reconhecidas. Somos nós que tiramos o material da cidade e merecemos respeito".

Marilúcia de Jesus praticamente cresceu na invasão da Estrutural onde chegou há 23 anos. Hoje, aos 34, sustenta quatro dos cinco filhos com a coleta de materiais reciclados retirados do lixão da região. Alessandra Vannucci, italiana que desembarcou no Brasil em 1996, é doutora em letras e acumula larga experiência como diretora teatral. O destino de mulheres tão distintas se uniu há quatro semanas durante a preparação do espetáculo Marias & Madalenas, performance que terá estreia hoje no Teatro da Caixa Cultural, às 19h.

O elenco é formado por 17 mulheres da cooperativa Plasferro, dedicada à coleta de materiais recicláveis na Estrutural e que participaram de uma oficina organizada por Alessandra, com o auxílio dos artistas brasilienses: Maria Carmem Souza (cenógrafa), Luciano Porto (do Circo Teatro UdiGrudi) e Delei (artista plástico). O espetáculo mistura música, dança e poesia em cenário feito com materiais retirados do lixo pelas catadoras.

“A mensagem ecológica é claramente política. O corpo das cidades produz resíduos numa progressão numericamente assustadora. O fato de cultuarmos o novo e o consumo cada vez mais ampliado de objetos cria a tendência de excluirmos seres humanos. São pessoas com prazo de validade. Muitas delas são descartáveis porque não têm poder de consumo. Brasília é circundada por lixões que ela mesma produz e, mesmo assim, mantém essa constituição de cidades satélites feitas para manter a beleza da cidade central”, reflete a diretora.

Seguindo os ensinamentos do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, muitas das ideias da montagem vieram das próprias participantes da oficina. “Elas têm um cotidiano muito duro. Não são protegidas por ninguém e mesmo assim mantêm uma dignidade, uma força leonina. Fui visitar as casas dessas mulheres que sustentam os filhos do trabalho com o lixo. Nas nossas conversas, a história do lar era sempre recorrente. O lar não como casa física, mas o espaço afetivo onde se deixa os filhos em segurança. Isso é uma metáfora extraordinária da Terra. No trabalho, elas cuidam do planeta como se fosse um lar. São condutas autosustentáveis”, concluiu a diretora sobre um dos temas escolhidos para permear o espetáculo: a insegurança em relação a manutenção das residências na Estrutural.

“O catar é um gesto tipicamente feminino. Minha avó, que já faleceu, praticamente não comprava nada. Ela barganhava muito. Não quer dizer que fosse pobre. Apenas vivia dentro de uma outra economia e assim manteve uma família inteira por anos, inclusive durante a guerra”, relembra a diretora. “Nós trabalhamos com o lixo e não somos reconhecidas. Somos nós que tiramos o material da cidade e merecemos respeito. As pessoas vão ver o que a gente faz com a limpeza urbana. Deviam nos enxergar como qualquer profissional”, opina a catadora Marilúcia sobre o forte papel de conscientização do espetáculo.

Método e estímulo
Elaborado por Augusto Boal durante os anos 1960 e 1970, o Teatro do Oprimido (TO) é um método teatral que estimula a criação feita por indivíduos de classes sociais menos favorecidas. Por meio de exercícios, jogos e técnicas teatrais, os participantes são convidados a opinar sobre a condução do espetáculo. Boal ganhou reconhecimento internacional com o lançamento de livros como Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, Técnicas latino-americanas de teatro popular: uma revolução copernicana ao contrário e A estética do oprimido.


MARIAS & MADALENAS
Hoje e sábado, às 19h, no Teatro da Caixa Cultural Brasília (SBS, Q. 4, Lt. 3/4, anexo ao edifício matriz da Caixa Econômica Federal), espetáculo encenado por mulheres catadoras de material reciclado na Estrutural. Dirigido por Alessandra Vannucci. Entrada franca. As senhas serão distribuídas na bilheteria do Teatro. Não recomendado para menores de 12 anos.


Observação do Setorial: Onde tiver escrito "Catador(a) de Lixo", Lê-se, de forma correta - Catador(a) de Materiais Recicláveis.


Fonte: Yale Gontijo - Correio Braziliense

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